Enfarte do miocárdio: material desenvolvido na UA pode revolucionar recuperação
Chamam-se emplastros biopoliméricos. O nome parece complicado, mas a função é
simples e revolucionária para quem sofreu um enfarte de miocárdio cujo tratamento
atual passa meramente por cuidados paliativos ou, em casos mais graves, pelo
transplante de coração.
Desenvolvidos na Universidade de Aveiro (UA), em colaboração com cientistas da Universidade de Helsínquia, estes materiais feitos a
partir de recursos naturais podem ser a solução para reparar os tecidos do coração
afetados pelo enfarte.
Produzidos a partir de dois materiais proteicos, gelatina e nanofibrilas de lisozima
(uma proteína presente, por exemplo, nos ovos das galinhas), estes emplastros
biopoliméricos foram desenvolvidos através da electrofiação, uma técnica que permite
a produção de fibras. Através deste procedimento, a equipa de investigadores da UA
conseguiu obter fibras extremamente longas e finas constituídas por gelatina e
nanofibrilas de proteína que se depositam umas sobre as outras, formando um
emplastro fibroso.
Um pouco por todo o mundo, já tinham sido anteriormente produzidos emplastros
fibrosos de gelatina, mas as suas propriedades e funcionalidades estavam aquém do
que é necessário para ajudarem na regeneração de tecidos de miocárdio de um
coração que sofreu um enfarte. A adição destas nanofibrilas proteicas constitui uma
estratégia inovadora que permitiu a melhoria de várias propriedades e funcionalidades
do emplastro como o desempenho mecânico, a atividade antioxidante e a sua
biorressorbabilidade.
“A adição das nanofibrilas de lisozima resultou num aumento do desempenho
mecânico dos emplastros, um fator importante tendo em conta o local onde irá ser
implantado o emplastro, o coração”, explica Tiago Carvalho, aluno de doutoramento
do CICECO-Instituto de Materiais de Aveiro, uma das unidades de investigação da
UA.
O estudo publicado na revista Advanced Functional Materials, aponta outras
vantagens aos recém-desenvolvidos emplastros: especificamente, um aumento
considerável da atividade antioxidante, também extremamente importante, pois um
tecido danificado, como o miocárdio após um enfarte, contém compostos que
danificam ainda mais este tecido através de reações de oxidação, e também uma
diminuição do tempo de degradação do emplastro de 45 para 30 dias. A propósito
desta última propriedade, Tiago Carvalho explica que “é importante que um material
implantado se degrade progressivamente, de modo que novas células possam crescer e
multiplicar-se nesse local, dando origem a um novo tecido [um fenómeno
denominado de biorressorbabilidade]”.
“Estas melhorias foram alcançadas sem afetar a morfologia inicial, a estabilidade
térmica, a biocompatibilidade e a capacidade dos emplastos de incorporarem e
libertarem um fármaco”, congratula-se Tiago Carvalho que, a par das investigadoras
Carla Vilela e Carmen Freire, investigadoras do CICECO e do Departamento de
Química da UA, assinam o estudo que contou também com a participação de
cientistas da Universidade de Helsínquia.
Este trabalho representa um primeiro passo para ajudar à recuperação de quem sofreu
um enfarte do miocárdio e que tem atualmente como únicas soluções terapias
paliativas ou o transplante de coração, uma operação sempre rodeada de risco, mas
que é, de facto, a única forma eficaz de tratamento hoje existente.
No âmbito deste estudo foram realizados em Helsínquia alguns ensaios biológicos in
vitro com estes emplastros biopoliméricos. “O próximo passo será complementar
estes resultados com testes in vivo, utilizando modelos animais. Deste modo, ainda
faltam alguns anos de investigação até se poder implantar um biomaterial deste
género em humanos”, antevê o aluno de doutoramento do CICECO.
Esta investigação faz parte do projeto de doutoramento de Tiago Carvalho centrado na
utilização de fibras proteicas para o desenvolvimento de materiais com o fim de
regenerar o miocárdio. O projeto é financiado pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia.